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Chen Qiufan e a reinvenção do cyberpunk na China. |
Quando pensamos em cyberpunk, logo vêm à mente imagens de cidades futuristas iluminadas por neon, megacorporações poderosas e hackers que desafiam sistemas digitais. Esse imaginário, consagrado por autores como William Gibson e Neal Stephenson, moldou a literatura e o cinema do gênero desde os anos 1980. Mas, nas últimas décadas, novas vozes têm dado outros contornos ao cyberpunk — e entre elas se destaca o escritor chinês Chen Qiufan.
Quem é Chen Qiufan?
Nascido em 1981, em Shantou, na província de Guangdong, Chen Qiufan — também conhecido como Stanley Chan — faz parte da nova geração de autores que redefiniram a ficção científica na China. Antes de se dedicar integralmente à literatura, trabalhou em empresas de tecnologia como Google e Baidu, experiências que ajudaram a moldar sua visão sobre os impactos sociais da inovação.
Ao lado de nomes como Liu Cixin, autor de O Problema dos Três Corpos, Chen representa uma ficção científica que ganhou projeção mundial. Mas, enquanto Liu aborda temas grandiosos ligados à ciência e ao cosmos, Chen Qiufan prefere olhar para os efeitos imediatos e cotidianos da modernização acelerada e das contradições sociais na China.
Maré de Desperdício: o cyberpunk com identidade chinesa
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O realismo tecnológico de Chen Qiufan e o futuro distópico do presente. |
Publicado originalmente em 2013 e traduzido para o inglês em 2019, Maré de Desperdício (The Waste Tide) é considerado o primeiro grande romance cyberpunk chinês a conquistar o público internacional.
A obra se passa em Guiyu, uma cidade real da China conhecida como o maior polo de reciclagem de lixo eletrônico do mundo. Nesse cenário tóxico e degradado, acompanhamos a história de Mimi, uma jovem trabalhadora migrante explorada em condições sub-humanas. Aos poucos, ela se vê envolvida em disputas entre corporações, governos e facções locais, tornando-se peça central em uma trama de conspirações políticas, ambientais e tecnológicas.
O que diferencia Chen Qiufan do cyberpunk clássico é a forma como ele insere questões ambientais e sociais concretas no enredo. Em vez do glamour sombrio de metrópoles high-tech, Maré de Desperdício mostra um futuro impregnado pelos resíduos da globalização, em que a tecnologia não liberta, mas agrava desigualdades e destrói ecossistemas.
Reimaginando o cyberpunk
Enquanto o cyberpunk ocidental surgiu em meio à Guerra Fria e refletia a ascensão de megacorporações globais, Chen Qiufan reimagina o gênero a partir do contexto chinês. Seu olhar está voltado para os efeitos da industrialização acelerada, da precarização do trabalho e do impacto ambiental da sociedade de consumo.
Essa abordagem tem sido chamada por críticos de eco-cyberpunk ou realismo tecnológico, ao partir de problemas reais e atuais para construir futuros distópicos. É uma forma de mostrar que o “amanhã” já está presente hoje, nas contradições que vivemos diariamente.
A nova ficção científica chinesa
A literatura de Chen Qiufan faz parte de um movimento maior: a ascensão da ficção científica chinesa no cenário mundial. Nos últimos anos, autores do país têm conquistado prêmios, traduções e adaptações para cinema e streaming, trazendo perspectivas próprias sobre o futuro.
Se o cyberpunk nasceu como um gênero ocidental, hoje ele ganha novas camadas ao ser reinterpretado por culturas diferentes. No caso da China, a fusão entre tradição, tecnologia e dilemas sociais cria uma ficção científica única, capaz de dialogar tanto com o passado quanto com os desafios globais do presente.
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Cyberpunk chinês: a visão futurista e social de Chen Qiufan. |
Ao reimaginar o cyberpunk, Chen Qiufan amplia os horizontes do gênero e nos convida a pensar o futuro de forma mais diversa e conectada à realidade. Maré de Desperdício é mais do que uma distopia tecnológica — é um retrato das consequências da modernização sem limites e um alerta sobre os riscos de ignorar as populações invisíveis e o meio ambiente.
Com sua escrita, Chen mostra que a ficção científica não é apenas entretenimento: é também uma ferramenta para refletirmos sobre quem somos e para onde estamos indo.